“Quem és tu Douro?” foi o mote da prova conduzida por Miguel Morais, na sala do Porto da ViniPortugal, que tinha um objetivo claro: mostrar que há no Douro potencial para se fazerem grandes vinhos, num perfil diferente daquele que a estamos mais habituados.
Gosto de desafios aos preconceitos, da novidade, gosto que haja coragem de fazer diferente, respeitando o que é nosso, ou simplesmente a simplicidade de dizer “é isto que tenho, logo é isto que vou fazer”. Mesmo que seja para mostrar que a ideia inicial era aquela que devia prevalecer, ter um termo de comparação ajuda sempre a refletir. Estou a falar de vinho, sim, estou, em particular da Quinta da Costa do Pinhão.

Então o que é que nos oferece a Quinta da Costa do Pinhão (tal como outros produtores) que é assim tão diferente? Pensem lá comigo em vinhos tintos de grande consumo e de grande notoriedade da região do Douro… Rapidamente, com algum conhecimento, conseguimos pensar em vinhos mais extraídos (de cor rubi) com um corpo e aspeto profundo, nos quais nada ou quase conseguimos ver através dos mesmos. O grau de álcool é habitualmente elevado e conseguimos até ver a lágrima a descer lentamente pelo copo. Depois, não serão vinhos que adoraremos beber num final de tarde de um dia quente de verão, a acidez não é muito elevada (não fazem propriamente salivar) e o tanino está geralmente bem presente, tal como os mais variados aromas a fruta vermelho, mais ou menos madura (aqui é mesmo isso, pensem no morango, na cereja, na amora, groselha), entre outros aromas. Acho que já conseguiram perceber a ideia…senão abram lá um garrafinha e é isso, ou contactem-me e digam: “Paulo vamos beber um Douro” e presencialmente ou por zoom, a gente cá se arranja.
Ora os vinhos da Quinta Costa do Pinhão não são nada disto, quer dizer são um bocadinho disto, porque as castas são as castas do Douro e há e haverá sempre esse lado em comum. Mas, levam-nos para um Douro de mais frescura e elegância. Vinhos que se deixam beber. Importa sublinhar que A Quinta da Costa do Pinhão, próxima do rio Pinhão, apesar de ter uma longa história de 6 gerações, só a partir de 2014 é que temos vinhos vendidos com a esta insígnia, que resulta do facto de Miguel Morais ter herdado a quinta em 2007 e em 2013 ter reconstruído e equipado a antiga adega. Por outras palavras, é um projeto muito muito recente, com uma longa história que merece ser conhecida.

Durante a prova, Miguel Morais, entre a sua timidez natural de engenheiro, foi reforçando a importância de fazerem a menor intervenção possível na vinha e na produção do vinho, deixando clara a intenção de valorizar a sua herança, o seu património e a história dos seus antepassados. Admitiu as dores de crescimento, alguns percalços e partiu então para apresentação dos vinhos.
O facto de eu já ter provado outros vinhos deste projeto, permitiu confirmar aquilo que eu já pensava de antemão, há tendência de encontrarmos vinhos com muita frescura, que resulta da acidez, mas também da presença de uma sensação de pedra molhada (imaginem lá o cheiro da pedra, do xisto ou até do granito quando chove..é isso) que contrabalança sempre com a fruta presente no vinho. Por outro lado, há algo que ficou claro, os vinhos podem mudar bastante de ano para ano, mesmo nas mesmas referências, o que revela alguma imprevisibilidade – vejam pelo lado bom, temos novidades todos os anos.
Nos rosés provados (2020, 2019), eu gosto mais do perfil seco (nada doce), fresco e mais elegante (delicado na textura, mas a acidez dá volume, recordo que a sentimos na extremidade lateral da nossa boca). No nariz, aroma de morango evidencia-se. Podem juntar um salmão, ou um atum e saberá ainda melhor. O 2019 é mais concentrado no aspeto, a fruta está presente e não parece ter tanta acidez, sendo um pouco mais compotado. Vai provavelmente agradar mais num final de tarde, menos gastronómico e quem prefere um rosé que saia completamente do padrão.



O Gradual 2017 (tinto) mantém o lado fresco comum a todos os vinhos e é de todos aqueles que nos faz sentir mais próximos do Douro tradicional, com a fruta vermelha muito viva. O tanino está bem presente. Apesar de ter 4 anos, não se notam muitas evoluções no aroma. O Gradual 2014 é outra coisa. Começo por dizer que tem apenas 12,5 de álcool. Os aromas terciários (de envelhecimento em garrafa surgem) dão complexidade e camadas para descobrir, mas a mim impressiona-me pela elegância, a pouca extração de que falamos. É um vinho que quer toda a nossa atenção, pois quer ser descoberto. É um vinho para ler, para saborear, para pensar e refletir. É um vinho egoísta, que exige de nós.



Os brancos ficaram para o fim (!). São brancos de curtimenta (ou seja, fizeram toda a sua fermentação em contacto com a película) ou usando as palavras de Miguel Lobato de Sousa – brancos feitos como se fossem tintos. Os dois vinhos 2017 e 2019 foram lançados no mesmo ano (2018 não há) e são tão diferentes no perfil, que podem ser apreciados de forma díspar. O 2017 é quase um vinho de sobremesa (!), tal a presença de aromas e sabores de favo de mel, frutos secos, combinados com a tal pedra molhada (para mim até por vezes me lembrou notas de chá preto). Alías, fizemos a harmonização com um doce e combinou na perfeição. No 2019, a acidez é mais incisiva, as notas de maçã imperam e a frescura é nota dominante num vinho, mais atrevido. (vejam na fotografia a diferença de cor)


De quais gostei mais: 1. do Rosé 2020. 2. O Gradual 2014 está esgotadíssimo, infelizmente. 3. Nos brancos o 2019 (deixaria o 2017 para ocasiões singulares). O meu preferido da marca (sendo que não provei ainda o topo de gama: Peladosa) é o Marufo 2019 que ainda não saiu, mas que provei na wine session que fiz com o Paulo Pimenta (podem rever aqui). Se quiserem conferir a nota de prova do Marufo dada pelo Paulo Pimenta, fica o link.
Para concluir, o projeto Quinta da Costa do Pinhão vale a pena seguir e, de facto, mostra-nos que há vinhos do Douro com qualidade, apetecíveis, gastronómicos e com um cariz mais elegante, que podem e devem fazer parte do imaginário de todos aqueles que querem conhecer o Douro e a sua história e ancestralidade e não apenas o Douro recriado nos anos 80 e 90.