Uma roadtrip vínica em Bordéus

O mergulho no mundo dos vinhos é uma viagem, começa por um bom vinho, por uma boa conversa e, passo a passo, somam-se as provas, as experiências, as descobertas e as curiosidades. Estou certo de que para muitos de nós há um momento que queremos abrir portas e explorar um pouco para lá de Portugal. Bordéus é uma das primeiras regiões que nos passam pela cabeça nesses instantes.

Mais cedo, ou mais tarde, Bordéus vai tornar-se numa ideia, num itinerário possível, numa escapadinha, numa experiência que realmente podemos concretizar, sem que tenhamos que comprometer o orçamento a anual (a não ser que percam a cabeça e queiram e possam trazer algumas preciosidades na bagagem). No momento em que a decisão está praticamente tomada, começam as indecisões, onde ir, o que visitar, por onde começar -especialmente quando o nosso conhecimento de nomes e marcas é ainda um bebé prematuro.

Deixo-vos em, sete pontos, um breve relato de uma viagem de apenas 3 dias, com algumas sugestões e informações úteis, caso uma incursão vínica estiver de facto nos vossos horizontes. Como sempre, apenas falarei das experiências que realizei e brevemente daquelas que ficaram no horizonte.

1. De carro ou de avião? Avião.

A primeira decisão é de como chegar a Bordéus. A viagem de avião (ida e volta) andará entre os 50 e os 70 euros, consoante a época do ano e a capacidade de antecipar a viagem. Fiz a viagem em agosto e o preço do bilhete foi acessível. A opção, depois, foi a de alugar um carro, pois a “road trip” estava no plano. Optámos por manter as noites todas no centro da cidade, mas provavelmente hoje optaria por uma opção mais itinerante, para aproveitar melhor as rotas vínicas fora da cidade. A opção de avião e aluguer de carro compensa em tempo, porém fica a nota: se o destino for apenas cidade, dispensa-se o carro, andar a pé, de tram, de bicicleta ou trotinete são opções. A cidade é plana.

O estacionamento para automóvel é escasso e é caro (o que fizemos foi estacionar e sair e cedo e no dia de visita à cidade, estacionamos a uns bons 2,5km do centro. A cidade aderiu à sustentabilidade e para quem preferir o aluguer de um carro elétrico, não haverá problemas em encontrar postos para abastecer.

Levar carro para Bordéus compensa se o objetivo for trazer vinho para Portugal, a preços que serão mais convidativos do que mandar vir online, ou comprar em Portugal, com o acréscimo do preço do distribuidor/vendedor/garrafeira.

2. Ter em mente o mapa da região e seus distritos

A região de Bordéus é conhecida, claro pelos seus vinhos, mas há diferenças entre as diferentes sub-regiões ou distritos. A informação principal a saber é que a região está naturalmente segmentada pelo estuário do rio Gironde (onde confluem os rios Garonne e Dordogne). Na margem esquerda do rio (a oeste do Gironne) encontra-se o distrito de Médoc onde irão encontrar os maiores famosos e aparatosos Chateaux da região e onde se planta maioritariamente Cabernet Sauvignon. Médoc AOC, Haut-Médoc AOC (que inclui Margaux AOC e Pauillac) são referências de denominações de origem que podem querer ter em mente. A informação sobre as percentagens das castas plantadas pode ser encontrada em: https://www.bordeaux.com/us/Our-Terroir/Grape-varieties. Para combater as alterações climáticas as castas Alvarinho, Touriga Nacional e Marselan foram admitidas nas região.

 

Ainda nesta margem, a sul de Bordéus fica o distrito de Sauternes e de Graves, que inclui a Pessac-Léognan AOC, uma denominação de alta qualidade. Infelizmente, os distritos a sul ficaram para outras núpcias, por questões de tempo. (o facto de termos o centro da cidade como base, implicou algumas cedências que poderão querer evitar, com reservas mais itinerantes).

Na margem direita do rio (para este e norte) Saint-Émilion é o destino principal e é a região onde é plantada maioritariamente a casta merlot. Considero esta região mais pitoresca e onde mais facilmente podem visitar pequenos produtores, que recebem os visitantes sem ser necessário fazer uma reserva. Por visitar ficou distrito de Pomerol, do icónico vinho Petrus.

(créditos imagem: winefolly)

3. As visitas e as provas: reservar antecipadamente (sempre que possível)

A recomendação que faço, ainda que haja boa margem para algum improviso, consoante a época do ano, é que façam sempre um contacto prévio via e-mail, independentemente da dimensão do produtor que querem visitar. As respostas tendem a ser rápidas e plenas de simpatia. Se de alguma forma têm uma ligação ao vinho, como produtor, énologo, blogger, crítico ou simplesmente interessado, não deixem de mencionar, pois ficou claro que gostam de receber pessoas com algum conhecimento de causa. Muitas das visitas têm horários e um bom plano e pontualidade permitem ter um itinerário organizado. Por fim, os grandiosos e mais reputados Chateaux não estavam a aceitar visitas e por norma só as fazem em programas organizados (ver nos sites) ou apenas e só para profissionais da área. Se aqui podem tem que reduzir expectativa, há muitas e boas experiências pela frente. Os mais importantes Châteaux na região segundo a Wine Tour in France: o Château Angelus, o Château Cheval Blanc, Château Figeac, Château Haut-Brion, Château Pape Clément, Château Lafite Rotschild, Château Latour, Château Margaux, Château Guiraud e Château Lagrange, ao que acrescentaria o Chateaux d’Yquem por ser ícone do luxo – propriedade do grupo LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton).

4. A não perder (sem ordem de preferência)

A Cité du Vin – Museu do Vinho é uma experiência obrigatória. A visita rondará os 17/18 euros e inclui e começa com a prova de um vinho do mundo no último andar. No meu caso, optei por um vinho croata que desconhecia por completo. O museu está muitíssimo bem concebido, com experiências interativas e quizzes a realizar, onde realço a experiência dos aromas e a informação dos vinhos do mundo. Se puderem incluir no vosso pacote a compra de um workshop temático (desde nível inicial, intermédio, vinhos do mundo…) penso que o devem fazer. Mesmo que o francês seja uma dificuldade, eu arriscaria.

– Na margem esquerda do rio fazer todos os mais de 80km da D2 (estrada nacional), parando sempre que pertinente para tirar fotografias aos icónicos Chateaux. De Margaux a Pauillac até ao fim, mais a norte até ao Chateau Loudenne, com jardins com acesso ao corrente marítima. Dali até ao mar para comer ostras ou mexilhões é só mais um bocadinho. Em Margaux, a passagem pelo Château Margaux faz parte do percurso, mas podem fazer uma incursão ao Chateaux Siran onde os vinhos são guardados num bunker anti-radiação nuclear (do período da I Guerra Mundial). Uma paragem no solarengo Chateau Marquis de Terres para uma prova é puro deleite.

Em Pauillac, podem recorrer ao posto de turismo para algumas marcações, aliás, é recomendável, mas cheguem cedo. Foi lá que nos sugeriram uma visita a um pequeno produtor Domaine Les Sadon (de Alan Albistur) – , que tem, literalmente, um corredor de vinhas que atravessa o reconhecido Chateau Pichon. Os vinhos são de qualidade inegável e os preços nada excessivos. Não me recordo do valor da prova, pois ele gostou tanto da nossa companhia que nos ofereceu a prova, mas creio que seria algo entre os 7 e 10 euros. As fotografias a propriedades como o Château Mouton Rothchild, entre outros valerão a pena. Se conseguirem uma visita, melhor ainda.

– A caminho de Saint Émilion (impossível de perder a ida) – as visitas ao Chateau Coutet e Chateau Soutard serão emblemáticas. No primeiro, fomos (sem saber) recebidos pelo proprietário e enólogo David Beaulieu, com enorme simplicidade e simpatia. É um espaço pitoresco, onde a natureza reina. Desde a década de 1950 (se a memória não falha) que todo o processo de viticultura é biológico. Neste espaço, onde merlot reina, foi encontrada intacta uma das garrafas de vinho (se não “a”) mais antigas do mundo, selada por uma cápsula de vidro. Os vinhos estão à altura da experiência. Depois da prova (feita por reserva), optámos por comprar uma garrafa e saboreá-la nos jardins selvagens da propriedade (recomendo repelente para insetos). No Chateau Soutard, já com uma dimensão assinalável, devido a um desencontro de e-mails, só foi possível fazer a prova. Mas, que prova – um vertical (o mesmo vinho, mas de anos diferentes). O Chateaux Soutard de 2011 está sublime – o melhor vinho de todos os 3 dias. O 2016 também está muitíssimo bom.

5. O mercado e as iguarias locais

A ida ao mercado “Les Halles de Bacallan”, mesmo ao lado da Cité du Vin, é um ótimo local para umas tapas e petiscos e degustação das mais variadas opções de vinho a copo, ou de garrafa. É um bom local para degustar iguarias locais, vinhos de toda a França, sempre com as irresistíveis ostras em primeiro plano. Grande parte das nossas refeições foram itinerantes. Ah, lá porque não visitamos o distrito, um Sauternes bem fresco, num cenário de final de tarde, ou de início de noite sabe sempre bem. O magret de pato vai com certeza ser uma opção constante ao longo dos diferentes menus que terão pela frente. Se quiserem ir para outros patamares, restaurantes com estrelas Michelin ou de estrelas como o Gordon Ramsay estarão à distância de uma reserva. Se a road trip vos levarem até às praias, então aproveitem para degustar os produtos locais. (nota: a foto dos mexilhões foi em Soulac, no percurso final, após a D2).

6. A cidade

Parece impossível não ter falado devidamente da cidade. Bordéus é uma bonita cidade, bem organizada, onde o rio tem uma posição dominante. Os passeios pela cidade, as igrejas e catedrais, os restaurantes e bares sempre animados, e a preparação da cidade para quem quer fazer o seu percurso por bicicleta, tornam-na num local perfeito para uma escapadinha e passeios constantes.

7. O alojamento

O alojamento não será particularmente caro na cidade. Apesar de não poder recomendar a nossa opção de estadia, na altura da pesquisa o airbnb tinha boas propostas. Porém, eu daria primazia ao itinerário, ou seja, definiria primeiro o percurso e depois ver quais as possibilidades que melhor se adaptam ou tipo de viagem que querem fazer. Reforço, que a cidade em si não é de grande dimensão, pelo que dois dias na cidade devem permitir percorrer as principais atrações, incluindo uma passagem pela Péssac Leógan AOC.

Por fazer ficaram algumas atividades, mais ligadas à cultura e o poder explorar os Chateaux de maior dimensão, que a pandemia não permitiu. Ficou muita vontade de voltar, mas se calhar primeiro fazer uma road trip pela mais informal Borgonha.

Nota de agradecimento ao enólogo Constantino Ramos e ao Paulo Pimenta do Winenstuff.com pelas sugestões e propostas.

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