Winemakers

O bom, o mau e o “old school”. Um vinho orgulhosamente imperfeito.

Inesperado. Incorrigível. Irreverente. Intenso. Indelével. 😮O Horácio Simões 2016 Old School Branco é tudo isto e mais alguma coisa. Loucura ou genialidade? Talvez não seja o bom, nem o mau, mas o vilão que nos diverte.

Horácio Simões Old School Branco 2016

Se quiserem, metaforicamente, é um Frankenstein dos vinhos, nasce com defeito, fica a dormir 5 anos e torna-se humano e não ficamos indiferentes, toca-nos, mesmo que não se goste.

É saborear a evolução da imperfeição, é um vinho que não cabe numa região (não é um DOC, pois não foi aprovado como tal – é um IVV”), é um proscrito (ler a ironia no contra-rótulo). Um fora-da-lei, aquele que quebra as regras, nunca vai ser consensual, cria conflito e gera emoções.

Para mim é viciante. A cor dourada, oxidada anuncia tempo, velhice antecipada. O aroma é uma viagem paradoxal, da idade avançada para a juventude.

O contra-rótulo merece leitura atenta

Se calhar não é Frankenstein, é um Benjamin Button, quanto mais tempo passa mais novo fica.

Na boca, esqueçam tudo o que disse, é voraz é mesmo “old school”, é artesanal, é musculado é frescura e acidez romper os aromas terciários (maçã, toque oxidado, quase petrolado), com volume de boca oferecido pelo estágio em barrica (que dá aromas subtis) e pela batonnage que dá camadas de sabor. Um vinho que fala e que conversa sério. Para a mesa e para as conversas sem tempo.

Consistência? As várias garrafas que bebi ou provei estavam no mesmo patamar. Com a imperfeição que se quer para este vinho.

Nao será consensual, mas o enófilo curioso e experimentado vai com certeza recordar. É único. Tem personalidade.

18 a 20 euros o preço? Se vale? Digam-me quanto vale uma viagem no tempo, sem sair do lugar (por mais sinuosa que está possa ser). Ah, a casta: Boal do Barreiro.

Um grande vinho, orgulhoso e destemido.

Vinalda Experience | Vinhos com conta, peso e à medida

Versatilidade a toda a linha marca o portfólio da Vinalda, que na celebração dos 75 anos, nos permitiu viajar por vinhos poderosos, vinhos que nos elevam, outros que nos pedem para sentar à mesa. Há vinhos para pensar e refletir e, enfim, outros que serão a alegria do dia-a-dia.

Para elevar, sonhar e degustar…

Eu sou apreciador de vinhos que me elevam, que me pedem silêncio depois da prova (numa espécie de vou viajar ali e já volto) que pela subtileza e elegância me conquistam. É por isto que adoro os vinhos da Quinta de Monte d’Oiro. É especial o projeto. Preferências? O recente ex-aequo 2017 é subtil, tem charme e um fim delicado, puro e profundo. 60 euros que pedem um tempinho mais de garrafa. Se não querem gastar tanto, deixem-se levar pelo Tinta Roriz 2019 (surpreende pela textura fina) ou pelo Reserva Tinto 2017. Não consigo escolher. Para os fãs de vinhos mais velhos, o Aurius – agora Touriga Nacional está em ótimo plano.

No lado da imponência

Se há um projeto para todos dominar (desculpem a analogia ao Senhor dos Anéis), temos que falar de Osvaldo Amado e do seu Raríssimo. Os novos tintos Raríssimo 2009, Dão e Bairrada, são portentosos.

Desta vez, gostei mais do Baga/Bairrada. Se quiserem saber mais, já os comentei antes (ver artigo). No portfólio Vinalda, dentro deste perfil, sublinho os Casa de Santar Vinha do Contador tinto, ou o 8 Parcelas. Mais uma vez, Osvaldo Amado tem a palavra. Não me compete dizer qual é melhor, a felicidade tem o seu preço e vias múltiplas. Não posso deixar de referir o Segredo de Saturno 2015, com fruta que se degusta e que toma conta do palato, em camadas bem profundas. No Douro, há espaço para falar do elegantíssimo e intenso Quinta da Gricha, da precisão e pureza do Talhão 8 (o Gricha, por sua vez, surpreende pela versatilidade).

Uma seta apontada ao futuro

Uma marca de sucesso deve ter bons, ou magníficos produtos, mas deve ser coerente, consistente e trabalhar continuamente rumo ao seu desígnio. Titan of Douro é uma estrela em ascensão.

Sublinho consistência do trabalho de Luís Leocádio: um projeto onde só há bons vinhos. Se não é o projeto mais versátil e consistente do Douro, andará perto.

Fragmentado Branco Blend II é estrondoso, na tensão, finesse, frescura e longevidade. Pureza em equilíbrio com um lado selvagem. O Tinto Estágio em Barro dá vontade de degustar mais e mais (vai bem sozinho, naquela vontade egoísta de beber mais e mais). O Estágio em Barro Branco é misterioso e aberto, alegre na forma com cria camadas no palato. O Vale dos Mil Branco e Tinto estão a belíssimo nível. A gama de entrada vai vender que nem ginjas. Ufa…Ah, e o Rosé?! Gastronómico, tenso e equilibrado.

Criatividade encontra ancestralidade com simplicidade única

Nas XXVI Talhas, um dos meus projetos favoritos, pela simplicidade, identidade e valorização do património, o XXVI (que estagia em ânfora, com cobertura de azeite) é a novidade. 90 euros para quem procura um vinho fresco, invulgar e com uma camada invulgar de complexidade. Para os aficionados. O vinho pede e melhora à mesa. o Titan do Tareco é vinho em harmonia, delicado, leve.

Já foram a Vila Alva? Não?! Então vão e visitem o Mestre Daniel e o Mestre Ricardo já agora.

Verdes em alta

Estar com o Miguel Queimado – Vale dos Ares , é sempre uma alegria boa, ao mesmo nível que conversar com ele sobre os seus Alvarinhos. Uma viagem de nuances, onde o poderoso Vinha da Coutada se destaca e o incrível “Borras Finas”, que é distintivo. Destaco também o Origem do projeto Cazas Novas. Quem procura um clássico, o Palácio da Brejoeira oferece um Alvarinho mais expansivo e aromático.Aqui o destaque vai para aguardente velha. Que classe.

Vinhos singulares: de Setúbal, Colares, Lisboa, Madeira e Trás-os-Montes

O projeto de António Saramago, nos brancos, oferece um interessante jogo entre Arinto e Antão Vaz, onde o lado cítrico encontra notas verdes e mais herbáceas, que nos secam o palato e nos pedem mais dessa frescura que nos amarra ao vinho. O destaque é o A.S. Tinto 2015 um vinho com estrutura, mas sempre alinhado com grande frescura. Pede carnes vermelhas e queijos bem amanteigados, que equilibrará lindamente. Colares Chitas Reserva Tinto é iguaria rara para ser apreciada, a casta Ramisco pede tempo, o vinho já se deixa levar, mas mais longevidade em garrafa fará o seu lado irreverente revelar notas atlânticas, com salinidade e especiarias que se revelam lentamente. No Casal da Azenha, Lisboa, registo para um arinto fora do vulgar, menos cítrico e ligeiro toque especiado que normalmente não sentimos. Na Madeira, realço o musculado e incisivo Ilha Verdelho, que é um vinho mordaz, que agarra, seca e refresca ao mesmo tempo: para a mesa. Em Trás-os-Montes, nas Terras de Mogadouro, o Gewurstraminer está cada vez melhor afinado (para quem procura algo invulgar, em Portugal). O Touriga Nacional parece-me um vinho muito bem definido.

Opções à medida de todos os dias

Cazas Novas Colheita, por 5,60 euros , uma excelente incursão no Avesso. Quinta da Alorna Reserva, seja o tinto Touriga Nacional com Cabernet Sauvignon, ou o Arinto Chardonnay, são ótimas opções, quando não queremos gastar mais do que 7 ou 8 euros. Vão parecer e revelar-se como vinhos acima do seu patamar de preço. Também nos brancos, o Churchills Grafite (12 euros) é um vinho que recomendo. Os Titan of Douro vão agradar, bem como toda a gama de entrada da Quinta do Monte d’Oiro.

Se pensar no preço, qualidade e experiência, o vinho do evento é o Vale dos Ares “Borras Finas”. 15 euros.

Se preço não for um assunto, então o meu top 3 é (sem ordem de preferência): Raríssimo Bairrada 2009, ex-Aequo Quinta do Monte d´Oiro e Titan of Douro Fragmentado Branco. *
*Nota: não provei o Vinha do Contador Branco. (já tinha acabado).

Para fechar, sublinho que estas são escolhas do momento e que amanhã bem poderiam ser diferentes, mas é também por isso que adoro provar vinhos. Cada dia e cada vinho têm uma estória.

Vinhos a recordar no Enóphilo 2022

Vamos ser claros: provar tudo, tudo, tudo no Enóphilo é impossível, se a isto somar a ida a duas maravilhosas provas comentadas, menos tempo fica para uma profunda e exaustiva prova de todas as referências. Difícil é escolher, tal a boa oferta. Ainda assim, foi profícuo (fiz o meu trabalho, ou prazer se quiserem) e acho que merece partilhar com vocês umas linhas sobre novidades, destaques e aquilo de que gostei mais e algumas descobertas. Vamos a isso?

Se o que é bom fica na memória, então começo pelo inesperado Quinta da Biaia Fonte de Vila 2017. Aquela tensão crocante, com uma profundidade de aromas cítricos e complexidade qb, fazem deste vinho uma experiência longa, aprazível e…viciante. Ronda os 35 euros, parece-me mais do que justo.

Passando agora a dois portentosos vinhos (Osvaldo Amado realmente não brinca em serviço), o Raríssimo Dão (2009) é um tratado de bem fazer bem. É profundo, elegante, camadas e camadas de saborosa complexidade entre fruta vermelha ainda com frescura e aromas ligeiramente tostados e de fruta em transformação. Escolher entre o Dão e o Bairrada/Baga tinto (2009) é díficil. O Baga é mais potente e oferece uma mordaz acidez, profundidade e aromas de fruta preta. Venha lá o diabo e escolha. O preço é para aficionados – ronda os 80/90 euros

Falando de elegância e vinhos que seduzem pela sensibilidade com que nos conquistam, o Casal das Aires Vinhas Velhas Branco 2019, é uma linda e inesperada opção. O preço de 40 euros ilustra a qualidade de um vinho que mostra finesse.

Se procuram o diferente e de fazer inveja a muitas referências do Douro, o Zuccaro 2018, podia ser um Brunello di Montalcino, só que não. É um grande trabalho, num vinho de estrutura, complexidade, que gosta e pede momentos importante e conversa séria. 60 euros o preço.

Se o prémio fosse precisão e pureza, então Carlos Raposo e o seu definido branco estava na linha da frente. Um grande vinho branco. Preço ronda os 25 euros. Aliás, todo o projeto se pauta por uma identidade e linha condutora, que qualquer vinho deste projeto merece ser provado e degustado.

Nos espumantes, o novo Terrunho d’ Alma 2018 , do enólogo, José Domingues está de uma elegância fantástica, a confirmar o grande trabalho feito no 2016. De chorar por mais, pela bolha elegante e frescura. Gostei muito do novo espumante do Joaquim Arnaud no qual sublinho a elegância da bolha e o equilíbrio em toda a linha. Grande trabalho. Os preços de ambos devem rondar os 15/20 euros. Não posso deixar de referir a consistência da Quinta dos Abibes Arinto & Baga, sempre equilibrado.

Pelo Dão, importa falar do excelente trabalho que continua a fazer João Gouveia Osório e a sua Portugal Wine Firm. O Ayres é um branco de uma frescura e mineralidade que nos atravessa, acidez fina e precisa. Tenho que mencionar o Invês, a parceria deste produtor com Henrique Cizeron (Cizeron Wines), um branco que apesar de jovem, mostra camadas e algum mistério. O Rosa da Mata Tinto/ Alfrocheiro está de beber por mais, difícil parar de beber esse vinho que está num momento fantástico, onde a fruta vermelha é elevada e bebida num misto de diversão e propriedade. Não posso deixar de mencionar, que o Primado 2012 (20 euros) é sublime e um vinho de enorme classe. Precisarão de duas garrafas.

“Constantino aquele Pét Nat Tinto, está bem bom”.

Ah, e coisas malucas e criativas? Vamos lá falar do trabalho do Constantino Ramos que não se cansa de nos fazer viajar pelas raízes. O Pét Nat tinto – que belo aperitivo, que fruta sedutora. Ótimo para quando não vos apetecer uma cerveja e querem algo diferente. O Turra Craft branco (11 euros) é também assim uma coisa muito fora do vulgar, meio experimental, mas onde o equilíbrio entre acidez e diferentes aromas se revela uma surpresa no palato. Outro marca que continua a fazer a diferença, é a Quinta Costa do Pinhão, onde para mim o ” Marufo” (17,5 euros) continua a ser uma delícia e um “personal favourite” (desculpem o anglicismo). Em modo fim de festa, ainda provei o Gutta Supera da Quinta do Paral que nos agarra pela viagem em nuances de fruta tropical e cítrica. (16 euros)

Nos Alvarinhos, o Regueiro Maturado (22/23 euros), o Afluente 2021 (este ano mais mineral/20 euros ), o Terrunho 2018 (18/20 euros), os Casa do Capitão-Mor (12/14 euros) & Quinta de Paços Alvarinho (muito elegente), e o Álvaro Pequenino de Joaquim Arnaud (12 euros), da região de Lisboa, foram as minhas preferências. Nos Loureiros (que in loco, deu uma disputa bem engraçada), eu aposto no arrojo cortante do Parapente (25 euros), no equilíbrio do Quinta do Hospital (8 euros), na rusticidade cítrica do Terrunho (7,90). O Cinética será um ótimo Loureiro, mas precisa de tempo. Neste projeto Henrique Cizeron, sublinho a incursão transmontana de Henrique Cizeron, que eu não conhecia, que oferece um jogo entre leveza e concentração de fruta que apetece saborear e faz salivar. (16/17 euros)

Uma palavra final, para as excelentes provas verticais da Quinta de Paços/Casa do Capitão-Mor, onde Paulo Graça Ramos nos ofereceu mais de duas décadas de viagem por Alvarinhos inesquecíveis e onde Joana Pinhão nos fez celebrar 10 anos de Somnium, nos cedeu um bocadinho do seu conhecimento e, já fora da prova, nos mostrou a novidade de solo Granítico que impressiona pela frescura.

Excelente organização, num evento que mostra crescimento e um trabalho cada vez mais apurado de Luís Gradíssimo.

Vinha do Contador: ambição de um ícone para o Dão

A vontade da 19|90 Premium Wines em ser um emblema de grandes vinhos no país e no mundo fica expressa num caminho e numa visão para o Dão, onde os vinhos “single estate” assumem um papel central. Os novíssimos Paço dos Cunhas Vinha do Contador e os Casa de Santar Oito Parcelas, Branco Curtimenta, e Rosé são fruto desta ambição. A prova destas referências, realizada num jantar a convite da 19|90 Premium Wines, permitiu conhecer vinhos onde a inspiração, o tempo, o conhecimento e o prazer caminham lado a lado.

(se dispensarem o comentário ao projeto e querem saber de imediato o meu comentário às referências em prova, podem fazer scroll)

Os vinhos da Casa de Santar são emblemáticos no Dão e marcaram o meu crescimento e conhecimento no mundo dos vinhos. São bons e são fáceis de encontrar e possuem um perfil capaz de agradar à maioria dos consumidores. Porém, nos últimos anos, parecia faltar uma novidade, um ícone, algo que projetasse os vinhos da Global Wines, no Dão para um patamar superior.

Importa aqui sublinhar que não questiono a qualidade de um Casa de Santar Reserva, ou de um Vinha dos Amores (Touriga Nacional), mas para mim foram deixando de ter aquele fator “wow”, que a experiência e as inúmeras provas fazem tornar cada vez mais raro. A consistência tem isso, garante a qualidade (se a tiver), garante uma experiência sempre coerente e, neste caso, fruto da boa distribuição e preço, fácil de repetir. Porém, o ser humano ambiciona mais, o enófilo que cresce em cada um de nós, aprecia marcas que evoluem com ele.

A 19|90 Premium Wines, divisão para o segmento Premium da empresa que detém uma larga fatia da vinha do Dão, pretende ser um farol no que à qualidade e excelência diz respeito e, para isso, os vinhos “single estate” são, para além do enoturismo, o seu foco. Os vinhos com a designação Vinha do Contador são o porta-estandarte desse desígnio.

Um convite abriu portas para conhecer as novas referências deste projeto, num jantar que contou com a presença do enólogo Osvaldo Amado, e com Rui Correia, Diretor de Marketing. impressionou-me a mim e, creio que posso dizer todos os presentes, pelo sentido estratégico, pela visão para a marca e, claro, pelos vinhos. Anos de trabalho de pensamento e conhecimento, alicerçados na experiência de Osvaldo Amado na enologia, deram frutos. Em 2021, temos agora um Rosé (com fundamento histórico), um branco de Curtimenta, um tinto de 8 parcelas singulares e dois vinhos para serem um culto na região: os vinha do Contador, branco e tinto. Vamos então falar dos vinhos.

A surpresa em tom rosé e um branco para o mundo

A primeira novidade, depois de sermos recebidos com o sempre fresco e elegante espumante Vinha dos Amores Encruzado, foi o Casa de Santar Rosé 2020. Foram anos de estudo e de tentativas, um processo longo, até chegar até nós esta novidade, que tem a sua inspiração num legado histórico da marca e nos grandes rosés da Provence. O resultado surpreende. O nariz é sedutor, aromático, presente, com notas de pêssego e notas ténues de fruta vermelha fresca (desculpa a confissão, mas viajei até à infância e a um “Sugus” de tutti-frutti – estou certo que alguns vão entender a importância da memória olfativa). Na boca este vinho é elegância pura, é delicado, seco sem ser agressivo, a fruta equilibra com a acidez de forma que envolve o palato, como uma brisa leve que toca o rosto. Um vinho que harmoniza bem com saladas e queijo feta, com sushi ou um tártaro. Delicado, perfumado, sedutor. É um dos melhores rosés do país e tem um preço de 15 euros, o que o torna mais do que apetecível na relação qualidade/preço.

Castas: Touriga Nacional

O Casa de Santar Curtimenta Branco 2019 fermentou tal como um tinto, mas não parece um curtimenta (fica em contacto com a película durante a fermentação) na cor (não é nada alaranjado), já que se apresenta num amarelo pálido/palha. Não será um vinho para divertir o produtor e de laivos criativos. É um vinho bem sério, para divertir o consumidor. Discreto no nariz, pouco aromático, mas na boca revela-se. É um vinho com acidez marcada, tenso, muito cirúrgico (ou seja, conseguimos delinear todas as suas notas, com precisão). Além de cítrico, tem notas de cereal e fruto seco, mostrando-se amplo e largo na boca, permitindo perceber de forma equilibrada as notas e textura provenientes do estágio em barrica.

Casa de Santar Curtimenta Branco

Castas: Encruzado

O Paço dos Cunhas Vinha do Contador Branco Grande Júri 2015 (Dão Nobre) é simplesmente um vinho dos diabos (foi o que escrevi mal o provei). É um dos melhores vinhos brancos que já tive o prazer de beber. É longo, longo, longo. Seco, mas fresco (mineral se quiserem) elegante, seduz com a precisão da fruta (imaginem degustar o vinho, uva a uva, passo a passo, num infindável prazer). Pois, é isso. Deixa água na boca. A acidez molda ao palato e aparecem notas especiadas (pimenta branca) e um toque ligeiro de maçã. O preço de 90 euros é, claro, elevado, o que faz deste vinho um dos mais caros brancos portugueses, no entanto, é também um dos melhores. Sublime vinho.

Paço dos Cunhas: Vinha do Contador Grande Júri 2015 – Branco

Castas: Encruzado, Malvasia Fina, Cerceal.

Dois tintos “egoístas” que exigem atenção máxima

Casa de Santar 8 Parcelas 2012 Touriga Nacional, ou Paço dos Cunhas Vinha do Contador Tinto Grande Júri 2013? Qual o melhor? Todos concordamos que comparar estes vinhos tem o seu quê de injusto. 

Casa de Santar Oito Parcelas 2012

O Casa de Santar 8 Parcelas 2012 é um primor na forma como especialmente as diferentes castas entregam todas as suas notas, misturando leves aromas de fruta vermelha (groselha, amora), um pouco de azeitona, com aromas mais balsâmicos e aromas terciários. Um vinho que ali um lado mais intenso e robusto, com um tanino presente que acrescenta, sem se sobrepor e uma acidez média que traz ainda frescura. Um lado mais sério, de reflexão, intelectual, com toda a classe. Um vinho com qual queremos conversar. O preço de 70 euros faz jus, a um tinto de eleição.

Castas: 50% Touriga Nacional, 15% Alfrocheiro, 10% Tinta Roriz, 10% Jaen, 7,5 Alicante Bouschet, 7,5% Tinto Cão

Por seu lado, Paço dos Cunhas Vinha do Contador Tinto Grande Júri 2013, contrasta com o lado mais sério do seu parceiro de Oito Parcelas. É um vinho harmonioso, feliz (com isto quero dizer com fruta silvestre madura e grande volume de boca), em que vivacidade é maior e fruta igualmente profunda. Um vinho sumptuoso em que também encontramos um toque floral e fumado. Os taninos envolventes, estão presentes mas não marcam. O preço a rondar 120 euros vem marcar a posição não só do vinho, mas de todo o projeto da Vinha do Contador – a visão de ser um emblema do Dão. (nota: a interpretação é minha, mas penso que esta é a índole desta insígnia).

Castas: Touriga Nacional, Alfrocheiro, Tinta Roriz

Paço dos Cunhas: Vinha do Contador Grande Júri 2013
Um joker em prova

Não posso deixar de sublinhar novo topo de gama da Herdade do Monte Cal, no Alentejo: o Segredo de Saturno 2015, de cor rubi e intensidade média na cor. Segredo porque a seleção das castas foi aleatória, por 5 equipas de 5 pessoas. A escolha das castas coube aos enólogos de cada equipa. Este é um vinho prazeroso, elegante e delicada, com uma fruta vermelha bem presente, bem marcado pela acidez e frescura. Um vinho perfeitamente em linha, com uma nova tendência de vinhos do Alentejo, de maior vivacidade que nos faz querer voltar e voltar. 

Por fim, o Outono de Santar, Colheita Tardia, é uma excelente opção para sobremesa ou fim de noite, com ótimo equilíbrio entre acidez e frescura.

Castas: 90% Encruzado, 10% Furmint

Os vinhos em prova
A escolha

Se a minha escolha tivesse que ser ditada pelo orçamento, a minha opção iria para o Casa de Santar Rosé. Se a opção for o vinho que mais prazer me deu em prova, optaria pelo Paço dos Cunhas: Vinha do Contador Grande Júri Branco, talvez porque o Oito Parcelas e o Paço dos Cunhas Vinha do Contador Grande Júri Tinto exigem toda a nossa atenção. Não podem ser comparados e merecem ser o centro das atenções. Em suma, estamos perante um arrojado e decisivo passo dado pela 19|90 Premium Wines. Enfim, a novidade chegou.

Vinho do mês: um “Irequieto” elogio ao tempo e à família

Na estreia desta rubrica, pretendo trazer uma novidade e sublinhar a visão de Abel Codesso que juntamente com a Provam, nos traz um vinho para elogiar o tempo, a família, a história, as experiências e os laços que nos unem. Um vinho quase alegre e misterioso, para celebrar e nos rendermos. Nasceu para ser especial e para nos fazer descobrir. Esta é a minha escolha de novembro de 2021.

(No vinho do mês, só falarei de vinhos que provei ao longo desse mesmo mês (e que estão disponíveis no mercado) e que por alguma razão me marcaram)

O irrequieto que saiu “irequieto”

Eu não conhecia pessoalmente o Abel Codesso, mas quando me disseram que antes de uma visita agendada às Rias Baixas, íamos à Provam fazer uma prova de algo muito especial, fiquei curioso. Irrequieto, como diria Abel Codesso, é um bom nome para um vinho, especialmente para um que vem encarnar a sua visão ( e cá para nós, a sua personalidade) e experiência de mais de 25 anos a fazer vinhos. Uma ideia que a Provam abraçou com o enólogo.

Abel Codesso na Provam

Quanto ao nome: da família saiu o desenho para o rótulo, faltava um “r”, mas não faz mal. Família é família e o original é o original. 

O segredo do processo

O “irequieto” é provavelmente o Alvarinho mais desconcertante que já bebi. No nariz é tão complexo, que cada pessoa terá o prazer de associar a ele os mais variados aromas. Para mim, primeiro há um lado floral, depois de fruta cítrica e de banana (sim, há por aqui carvalho americano), mas podíamos dizer flor de laranjeira, chá, complementado com um ligeiro toque lácteo e maçã (aromas de oxidação, talvez). Mas, aqui está a beleza do processo, não vou entrar em termos técnicos, mas Abel Codesso fez deste vinho irrequieto nos aromas, através de um processo de vinificação (bem criativo, digo eu) complexo, onde o tempo é a chave.

Na boca é uma preenchida viagem no tempo

Ora na boca, a experiência é luxuriante (ia dizer exuberante, mas tem contenção), o vinho apresenta uma acidez envolvente (não é incisiva, não é rude) é aveludada, macia, mas intensa, e traz camadas de fruta, de aromas e sabores, preenchendo em toda a linha o nosso palato. Pois, é seco, salino, fresco, ao mesmo tempo que nos parece levar numa viagem através do tempo. Parece novo, é novo, mas depois não é assim tão novo, tem história, tem densidade, é profundo. Descobre-se a cada detalhe, a cada momento. Impressiona. É singular. 

O preço deste vinho rondará os 50 euros. Podemos dizer que é um preço elevado sim, mas que ao mesmo tempo justifica este valor. Não há nada igual. Se quiserem ver por outro lado, este não é um vinho egoísta, é um vinho de partilha, de homenagem, de momentos especiais, de prova em grupo e de discussão. Talvez assim, encontrem motivos para diluir os 50 euros e viajarem pelo tempo, pela mão de Abel Codesso.

Enophilo 2021: as tendências e a minha seleção

Vinhos brancos de elevadíssimo nível, um perfil de vinhos tintos mais elegantes, abertos e frescos e a valorização de castas autóctones e de longa história são tendências que, para mim, vêm para ficar. Tudo isto aconteceu num clima de sorrisos, num ambiente íntimo e especial.

Em 5 horas não deu para provar tudo, e havia muito a acontecer neste evento. Por onde começar? A primeira palavra vai para a região dos vinhos verdes e para a energia e cumplicidade que se vive entre os projetos 100 igual, Quinta de Santiago, Casas Altas e Vale dos Ares (Vinho Verde Young Projects). Desta sinergia já nasceu o Signature, um vinho a estarmos atentos. É bom ver pessoas apaixonadas que olham para o lado e, em vez de um concorrente, vêem parceiros e novas oportunidades. Acrescento aqui, também, os projetos da Quinta de Paços e Quinta do Regueiro que têm vinhos que me enchem as medidas.

O evento de Luís Gradíssimo prima pela boa organização, bom ambiente e pela simplicidade.

Segunda nota, em grande, vai para o espumante Raríssimo 2006 de Osvaldo Amado Winemaker. É uma experiência. Ainda me recordo do toque tostado deste espumante elegantíssimo. Não vou descrever, pois posso estragar. Os outros vinhos deste projeto são, também, um tratado.

Terceira nota de relevo vai para o projeto Giz de Luís Gomes. A consistência de todos os vinhos é impressionante. Um projeto em que tudo bate certo, mesmo que, no rosé, eu possa ter ficado com saudades de 2017.

A prova vertical de Somnium, que Joana Pinhão trouxe para o evento, foi para mim o ponto mais alto do evento, em termos de experiência, aprendizagem e viagem pelo mundo do vinho. A delicadeza do 2014 é sublime, a intensidade do 2017 surpreendeu.

Em termos de prova horizontal, a Maçanita Vinhos levou-nos a uma viagem incrível pelos Açores, um privilégio – até se considerarmos o preço dos vinhos. Centenária ou Vinha Canada? Quase que venha o diabo e escolha.

Nas novidades, os alvarinhos (ou Álvaros pequeninos) de Joaquim Arnaud, com enologia de Abel Codesso, mostraram o potencial desta casta na região de Lisboa, com frescura e acidez incisiva. De 2020, a Vieira de Sousa apresentou um Tinta Francisca e um Rufete de 2020 que vão perfeitamente de encontro a esta nova tendência. A Quinta do Paral, que eu desconhecia, da zona da Vidigueira, surpreendeu pela frescura e elegância dos seus vinhos. Do Dão o espumante do Conde de Anadia, os vinhos da Quinta da Ramalhosa e o espírito criativo da Portugal Wine Firm (provar o Aires, Entrosado ou o Alfrocheiro) são de realçar.

Brancos a um nível altíssimo

Os brancos deixaram-me rendido e e todos os produtores, praticamente, mostraram referências de grande nível. Vamos agora falar de alguns destaques nos vinhos brancos. Como só posso falar do que provei. Os meus 10 preferidos (sem repetir produtores):

Titan of Douro Daemon 2019

Giz Branco Vinhas Velhas 2020

Quinta do Regueiro Jurássico II

Ayres – Portugal Wine Firm

Vinha Centenária Azores – Azores Wine Company 2019

Raríssimo 2015

Somnium 2014 (ou 2017)

Cinética Alvarinho | Loureiro 2019

Sem Igual 2017

Vale dos Ares Vinha da Coutada 2018

Novidades a seguir e outros vinhos brancos a seguir

Joaquim Arnaud Lisboa – (os vários Alvarinhos)

Vinho Verde Young Project (VVYP Signature)

Valtuille (Bierzo – Espanha) 2020

Quinta de Santiago Vinha do Chapim 2020

Quinta do Paral Vinhas Velhas 2017

Quinta da Biaia Fonte de Vila 2015

Quinta do Regueiro Maturado 2019

Casal das Aires Chardonnay 2019

Casa do Capitão-Mor 2019

Quinta da Ramalhosa Field Blend White 2018

Casas Altas Pure

Vinha Canada 2018 – Azores Wine Company

Insignis Portugal Wine Firm Encruzado 2019

A elegância e a frescura nos vinhos tintos

Nos vinhos tintos, talvez a maior surpresa e admiração vai para vinhos menos extraídos, mais elegantes, frescos, com menor grau alcoólico. Uma tendência que me agrada cada vez mais, e que acredito que irá convencer os consumidores mais reticentes. Apesar de cor menos profunda e textura mais delicada, estes vinhos revelam-se na acidez e a tanino que apresentam.

Os meus 10 preferidos de ontem (Sem repetir produtores):

Giz Vinha das Cavaleiras 2018

Toroa 2014 Pinot Noir – Cizeron Wines – Nova Zelândia

Casal das Aires Vinhas Velhas 2019

Casa de Saima Baga Garrafeira 2015

El Rebolón Mengoba (Mencía) – Espanha 2018

Raríssimo (ano a confirmar)

Bluníssima Aragonez 2017

Quinta da Costa do Pinhão – Marufo 2019

Vieira de Sousa Tinta Francisca 2020

Titan of Douro Vale dos Mil 2019

Novidades a seguir e outros vinhos tintos a seguir

Quinta da Costa do Pinhão Peladosa (ano a confirmar)

Giz Vinhas Velhas 2018

Clos Fonte do Santo – Quinta do Javali 2019

Portugal Wine Firm Alfrocheiro

Lote 5 Grande Reserva 2014

Cinética 2018

Vieira de Sousa Rufete 2020

Quinta da Ramalhosa Alfrocheiro/Touriga Nacional 2017

Portugal Wine Firm – Entrosado 2017

Somnium 2019

Espumante e Rosés

Nos espumantes, além do Raríssimo 2006, outra ótimas opções para são o Giz Cuvée de Noirs 2018 (muito elegante) ou o Conde de Anadia Assemblage – Blanc de Noirs. Nos rosés, as minhas preferências recaem no Rosado 2020 da Quinta Costa do Pinhão (ainda que ainda precise de respirar) e no Giz Vinhas Velhas Rosé 2018 (ainda que o 2017 me agrade mais).

Notas Finais

Foi uma grande tarde de provas, só ficou a falar mais tempo para poder provar tudo. Importa sublinhar que praticamente não provei vinhos fortificados, e não visitei alguns produtores, ou as visitas foram apenas parciais, já que em alguns casos já conhecia a gama de vinhos.

Não visitado: Blackett, Quinta dos Abibes, Quinta das Bágeiras, Quinta do Gradil, Villa Oeiras, Quinta de Pancas, Quinta do Tamariz, Quinta do Escudial, XXVI Talhas, Terras de Mogadouro, Poliglota, F Fita Preta, Maçanita (Douro).

Visita parcial: Quinta da Biaia (apenas um branco),) Quinta das Chaquedas, Casa Cadaval, Quinta da Costa do Pinhão, Titan of Douro, Conde de Anadia (apenas provado o espumante).

A Adega do Monte de Branco: caráter, loucura e alento

Vinhos com caráter é a promessa da Adega do Monte Branco e eu vou acrescentar com arrojo, presença criatividade, frescura e muito equilíbrio. O projeto de Luís Louro, iniciado em 2004, em Estremoz, partilhado na enologia com Inês Capão, traz-nos uma curiosa identidade, onde a potência e frontalidade, encontra a elegância e o refinamento. A sintonia entre os dois enólogos é indisfarçável e só torna os vinhos mais interessantes. 

Depois, de uma Wine Session há alguns meses, uma visita de amigos proporcionou um almoço inesquecível na Adega do Monte Branco, mas acima de tudo uma partilha com vista para a vinha e um conhecimento mais apurado dos vinhos. E é disso mesmo que vou falar e resumir as minhas preferências e indicações em 3 vinhos (ou 4 como irão ver).

Começar com Alento

A gama Alento marca o início da viagem pelos vinhos. Branco ou rosé? Para mim, claramente o branco 2020. Porquê? Porque é fresco, a acidez dá amplitude ao vinho na boca (imaginem que o vinho se abre na boca e percorre todo o vosso palato, ao mesmo tempo que sentimos notas cítricas e minerais (pedra molhada se preferirem) bem presentes, que dão um bom equilíbrio entre acidez e fruta. O que explica isto? O trabalho realizado na vinha, a vindima feita no tempo certo, solo calcário e, claro, a seleção de castas e a procura por uma identidade, um Alentejo de brancos que se deixa beber e que nos refrescam da cabeça aos pés. O facto de salientar o branco, não implica que não tenha gostado do Rosé, mas é preciso fazer opções. Nos tintos, o Alento Reserva é já uma ótima opção de um tinto com alguma potência e frescura que vai agradar a muitos, mas nos tintos a minha preferência cai noutro lado e numa gama mais acima – para apreciadores. O preço da gama Alento começará nos 7 euros, aproximadamente. O reserva andará pelos 12.

A loucura e genialidade

Se é o “grau de sucesso que separa a loucura de genialidade”, a série limitada LouCa (Louro+Capão), são projetos pessoais de cada um dos enólogos, onde há liberdade para cada um individualmente criar, experimentar, brincar e até provocar. Costumo dizer que a criatividade é um risco, nem sempre corre bem, mas é assim que evoluímos e descobrimos o que está para lá dos limites.

O LouCa 2017, que já tinha provado antes, é de chorar por mais. Tem o tal caráter, tem um volume de boca e uma espécie de untuosidade fresca, com uma amplitude e acidez incisivas. É tenso, viciante, mas não é agressivo e tem uma complexidade que nos faz descobrir aromas como lima (ou limão), maçã, favo de mela, especiarias como pimenta branco…enfim, não vos vou maçar, pois é um recital que cada pode descobrir. É um vinho de 28 euros que vale cada cêntimo. A edição é limitada. É um vinho extraordinariamente gastronómico, mas que saberá sempre bem simples, com um queijo e que dará origem a grandes conversas, ou que acompanhará bem o meditativo por do sol alentejano

O LouCA é para mim dos melhores vinhos brancos do Alentejo.

A potência e o equilíbrio

O Monte Branco 2017 tinto, se não considerarmos a edição comemorativa dos 10 anos, está no topo da lista dos vinhos da adega. Para mim, neste vinho é onde encontramos mais a marca de Luís Louro, pois a personalidade forte do enólogo está presente que alia a potencia e intensidade, a alguma acidez, fruta preta e algum toque de especiarias. Um vinho pleno de precisão, onde conseguimos definir em concreto cada nuance. O final é longo e persistente. A acidez presente vai pedir provavelmente um provador mais experimentado. Um grande vinho do Alentejo que nos consegue aliar a potência e intensidade de aromas, a um lado com mais charme. Em tom de brincadeira, mas falando bem a sério, é um vinho para quem sabe o que quer. Entre o 2016 e o 2017, prefiro o 2017. O preço rondará os 38 euros.

Se não conhecem este projeto, é obrigatório. A Adega do Monte Branco tem marcado pontos na exportação, mas está no momento de nós portugueses, conhecermos mais deste projeto. Se puderem, visitem, se não puderem então bebam, provem, partilhem. Eu recomendo.

O Douro e a Quinta da Costa do Pinhão

“Quem és tu Douro?” foi o mote da prova conduzida por Miguel Morais, na sala do Porto da ViniPortugal, que tinha um objetivo claro: mostrar que há no Douro potencial para se fazerem grandes vinhos, num perfil diferente daquele que a estamos mais habituados.

Gosto de desafios aos preconceitos, da novidade, gosto que haja coragem de fazer diferente, respeitando o que é nosso, ou simplesmente a simplicidade de dizer “é isto que tenho, logo é isto que vou fazer”. Mesmo que seja para mostrar que a ideia inicial era aquela que devia prevalecer, ter um termo de comparação ajuda sempre a refletir. Estou a falar de vinho, sim, estou, em particular da Quinta da Costa do Pinhão.

Miguel Morais

Então o que é que nos oferece a Quinta da Costa do Pinhão (tal como outros produtores) que é assim tão diferente? Pensem lá comigo em vinhos tintos de grande consumo e de grande notoriedade da região do Douro… Rapidamente, com algum conhecimento, conseguimos pensar em vinhos mais extraídos (de cor rubi) com um corpo e aspeto profundo, nos quais nada ou quase conseguimos ver através dos mesmos. O grau de álcool é habitualmente elevado e conseguimos até ver a lágrima a descer lentamente pelo copo. Depois, não serão vinhos que adoraremos beber num final de tarde de um dia quente de verão, a acidez não é muito elevada (não fazem propriamente salivar) e o tanino está geralmente bem presente, tal como os mais variados aromas a fruta vermelho, mais ou menos madura (aqui é mesmo isso, pensem no morango, na cereja, na amora, groselha), entre outros aromas. Acho que já conseguiram perceber a ideia…senão abram lá um garrafinha e é isso, ou contactem-me e digam: “Paulo vamos beber um Douro” e presencialmente ou por zoom, a gente cá se arranja.

Ora os vinhos da Quinta Costa do Pinhão não são nada disto, quer dizer são um bocadinho disto, porque as castas são as castas do Douro e há e haverá sempre esse lado em comum. Mas, levam-nos para um Douro de mais frescura e elegância. Vinhos que se deixam beber. Importa sublinhar que A Quinta da Costa do Pinhão, próxima do rio Pinhão, apesar de ter uma longa história de 6 gerações, só a partir de 2014 é que temos vinhos vendidos com a esta insígnia, que resulta do facto de Miguel Morais ter herdado a quinta em 2007 e em 2013 ter reconstruído e equipado a antiga adega. Por outras palavras, é um projeto muito muito recente, com uma longa história que merece ser conhecida.

Durante a prova, Miguel Morais, entre a sua timidez natural de engenheiro, foi reforçando a importância de fazerem a menor intervenção possível na vinha e na produção do vinho, deixando clara a intenção de valorizar a sua herança, o seu património e a história dos seus antepassados. Admitiu as dores de crescimento, alguns percalços e partiu então para apresentação dos vinhos.

O facto de eu já ter provado outros vinhos deste projeto, permitiu confirmar aquilo que eu já pensava de antemão, há tendência de encontrarmos vinhos com muita frescura, que resulta da acidez, mas também da presença de uma sensação de pedra molhada (imaginem lá o cheiro da pedra, do xisto ou até do granito quando chove..é isso) que contrabalança sempre com a fruta presente no vinho. Por outro lado, há algo que ficou claro, os vinhos podem mudar bastante de ano para ano, mesmo nas mesmas referências, o que revela alguma imprevisibilidade – vejam pelo lado bom, temos novidades todos os anos.

Nos rosés provados (2020, 2019), eu gosto mais do perfil seco (nada doce), fresco e mais elegante (delicado na textura, mas a acidez dá volume, recordo que a sentimos na extremidade lateral da nossa boca). No nariz, aroma de morango evidencia-se. Podem juntar um salmão, ou um atum e saberá ainda melhor. O 2019 é mais concentrado no aspeto, a fruta está presente e não parece ter tanta acidez, sendo um pouco mais compotado. Vai provavelmente agradar mais num final de tarde, menos gastronómico e quem prefere um rosé que saia completamente do padrão.

O Gradual 2017 (tinto) mantém o lado fresco comum a todos os vinhos e é de todos aqueles que nos faz sentir mais próximos do Douro tradicional, com a fruta vermelha muito viva. O tanino está bem presente. Apesar de ter 4 anos, não se notam muitas evoluções no aroma. O Gradual 2014 é outra coisa. Começo por dizer que tem apenas 12,5 de álcool. Os aromas terciários (de envelhecimento em garrafa surgem) dão complexidade e camadas para descobrir, mas a mim impressiona-me pela elegância, a pouca extração de que falamos. É um vinho que quer toda a nossa atenção, pois quer ser descoberto. É um vinho para ler, para saborear, para pensar e refletir. É um vinho egoísta, que exige de nós.

Os brancos ficaram para o fim (!). São brancos de curtimenta (ou seja, fizeram toda a sua fermentação em contacto com a película) ou usando as palavras de Miguel Lobato de Sousa – brancos feitos como se fossem tintos. Os dois vinhos 2017 e 2019 foram lançados no mesmo ano (2018 não há) e são tão diferentes no perfil, que podem ser apreciados de forma díspar. O 2017 é quase um vinho de sobremesa (!), tal a presença de aromas e sabores de favo de mel, frutos secos, combinados com a tal pedra molhada (para mim até por vezes me lembrou notas de chá preto). Alías, fizemos a harmonização com um doce e combinou na perfeição. No 2019, a acidez é mais incisiva, as notas de maçã imperam e a frescura é nota dominante num vinho, mais atrevido. (vejam na fotografia a diferença de cor)

De quais gostei mais: 1. do Rosé 2020. 2. O Gradual 2014 está esgotadíssimo, infelizmente. 3. Nos brancos o 2019 (deixaria o 2017 para ocasiões singulares). O meu preferido da marca (sendo que não provei ainda o topo de gama: Peladosa) é o Marufo 2019 que ainda não saiu, mas que provei na wine session que fiz com o Paulo Pimenta (podem rever aqui). Se quiserem conferir a nota de prova do Marufo dada pelo Paulo Pimenta, fica o link.

Para concluir, o projeto Quinta da Costa do Pinhão vale a pena seguir e, de facto, mostra-nos que há vinhos do Douro com qualidade, apetecíveis, gastronómicos e com um cariz mais elegante, que podem e devem fazer parte do imaginário de todos aqueles que querem conhecer o Douro e a sua história e ancestralidade e não apenas o Douro recriado nos anos 80 e 90.